A imunidade está inserida nas
vedações constitucionais à competência tributária, conceituando-se como sendo
“uma forma qualificada ou especial de não-incidência, por supressão, na
Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram
certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas pelo estatuto
supremo”.1
As imunidades foram estabelecidas
em decorrência de considerações extrajurídicas, observando orientações de
preservação de determinados valores políticos, religiosos, educacionais,
sociais, culturais e econômicos, retirando das mãos do legislador qualquer
possibilidade de atingi-los por meio da exação. Objetiva-se, portanto,
resguardar a liberdade política, religiosa, da expressão do livre pensamento,
entre outras, das tentativas de limitá-la ou cerceá-la sob o jugo da imposição
fiscal. Diante de tal perspectiva, fácil observar que a imunidade não pode ser
tratada como um benefício, um favor fiscal de isenção ou de renúncia à
competência tributária, nem como se fosse um privilégio de certas atividades,
mas, sim, como forma de resguardar e garantir os valores da comunidade e do
indivíduo.A imunidade de impostos aos
livros, jornais e periódicos filia-se aos dispositivos constitucionais que
asseguram a liberdade de expressão e de opinião, entendendo-se aí a garantia da
liberdade de comunicação e de pensamento, além de facilitar a difusão da
cultura e a própria educação coletiva.Diz a Constituição Federal:Art. 150. Sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: VI. Instituir impostos sobre: d) livros,
jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.Não há lei infraconstitucional
que regulamente esta espécie imunitória, até porque qualquer intromissão
legislativa com intuito de definir o texto constitucional já seria uma
manifestação restritiva à amplitude do conceito externado. Nas palavras de
Sacha Calmon Navarro Coelho, “... diante da enfática insuficiência do texto não
cabe o minus dixit, porque onde o constituinte não distingue ou não quis
distinguir, não cabe ao intérprete fazer distinções, a não ser em relação aos
próprios objetos da imunidade”.2Diante da inexistência de leis
regulatórias, devemos assentar nossos entendimentos à luz do preceito
constitucional.Há de se dizer que a imunidade de
livros, jornais e periódicos é essencialmente objetiva, ou seja, sua ação
atinge o bem material, o livro, o jornal, o periódico. Inadmissível seria a
subjetividade neste campo, referindo-se à pessoa, adjetivando e qualificando os
conteúdos e concedendo aos juízes um poder de censor, distinguindo aqueles a
merecerem imunidades e outros que não a mereçam. Neste sentido, diz Ives
Gandra: “Acresce-se o fato de que a imunidade para tais publicações é imunidade
objetiva. Não interessa a sua finalidade, tipo de idéias veiculáveis, pois o
constituinte pretendeu evitar a manipulação da opinião pública por parte dos
detentores do poder, sob a alegação de que determinados tipos de publicação
estariam protegidos pela intenção legal e outros não”.3
LIVROS
Tradicionalmente, livro é uma
peça elaborada em papel contendo várias páginas encadernadas com informações,
narrações, comentários etc., sendo este o objeto da imunidade. Mas,
hodiernamente, livro, enquanto veículo de idéias, pode ser produzido de outras
maneiras, em formato de discos, disquetes, filmes etc., dando uma dimensão mais
ampla à expressão “livros” aplicada no texto constitucional. Em essência, diz
respeito à imunidade não o objeto produzido, mas o conteúdo que divulga idéias.
Este é o entendimento de Roque Antônio Carrazza: “A nosso ver, no entanto,
devem ser equiparados ao livro, para fins de imunidade, os veículos de idéias,
que hoje lhe fazem às vezes (livros eletrônicos) ou, até, o substituem”.4
Desse modo, não estaria incluído
no regime imunitório os chamados “livros” para registros, escriturações e
anotações, geralmente vendidos em papelarias, pois não são livros divulgadores
de idéias, de cultura, de pensamento. São livros em branco, devidamente
pautados e de folhas numeradas, mas sem conteúdo. Tampouco as agendas seriam
incluídas no rol das imunidades, pelo mesmo motivo. Da mesma forma, CD-Room ou
disquete contendo programas de informática, vendido no comércio, não é considerado
“livro” para efeitos de imunidade, porque o conteúdo não difunde idéias ou
informação, servindo de instrumento de aplicação de determinada tecnologia.
Neste teor, o STF tomou decisão de que tais programas, quando vendidos em
prateleiras, não individualizados, sofrem incidência do ICMS; e quando
produzidos especificamente para determinado cliente, gera ISS.
Enfim, como diz Carrazza, é o fim
a que se destina o livro – e não a sua forma – que o torna imune a impostos.
E esses Manuais de instruções aos
usuários, que acompanham os produtos adquiridos, por exemplo, na compra de um
carro, seriam imunes? A pergunta perde objetividade porque, geralmente, tais
“livros” são distribuídos à guisa de gratuidade (embora seu custo esteja
certamente incluído no valor de venda do produto), mas se hipoteticamente
fossem vendidos, entenderíamos que estariam, também, incluídos na imunidade,
por acreditarmos que o objeto tem por finalidade a transmissão de informações.
JORNAIS E PERIÓDICOS
A expressão “jornal” se origina
do latim diurnalis, diário, mas entende-se por jornal qualquer publicação de
notícias e informações oferecida ao público periodicamente, sendo ou não
diário. Pode ser distribuído gratuitamente ou por venda, com circulação aberta
ou restrita.
O jornal é impresso em papel, mas
cada vez mais se populariza o jornal digital divulgado pela Internet. Em
quaisquer de suas formas, o jornal goza de imunidade de impostos. Nas palavras
de Aliomar Baleeiro, “Livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados,
por quaisquer processos tecnológicos, que transmitam aquelas idéias,
informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os
interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda,
por signos Braille destinados a cegos”.5
Vê-se, assim, que não há maiores
diferenças conceituais entre jornal e periódico. Apartando o aspecto material
tradicional, podemos até dizer que jornal e periódico são palavras sinônimas. O
constituinte, com a nítida intenção de evitar dúvidas sobre a amplitude do
termo, utilizou-se das duas expressões ao relatar a imunidade: jornais e
periódicos.
A palavra “revista”, quando
utilizada como periódico, é originária da expressão inglesa review, tratando-se
de uma publicação periódica, geralmente ilustrada, e que aborda assuntos de
interesses variados ou específicos. Indiscutível, pois, o entendimento de que
as publicações conhecidas como “revistas” são periódicos e diferenciados dos
jornais em função apenas do formato físico. O fundamental é a transmissão de
informações e idéias.
Neste sentido, o STF decidiu:
“Os calendários comerciais não
são periódicos, pois não se destinam a veicular ou transmitir pensamentos ou
idéias. Não têm imunidade” (RE 87.633-SP, 2ª Turma, RTF 89/278/281).
Em outra oportunidade, o STF
assim averbou:
“A edição de listas telefônicas
(catálogos ou guias) é imune ao ISS, mesmo que nelas haja publicidade paga. Se
a norma constitucional visou facilitar a confecção, edição e distribuição do
livro, do jornal e dos periódicos, imunizando-os ao tributo, assim como o
próprio papel destinado à sua impressão, é de se entender que não estão
excluídos da imunidade os periódicos que cuidam apenas e tão-somente de
informações genéricas ou específicas, sem caráter noticioso, discursivo,
literário, poético ou filosófico mas de inegável utilidade pública, como é o
caso das listas telefônicas” (RE 101.441-5-RS – Recorrente: Guias Telefônicas
do Brasil Ltda. – Recorrida: Prefeitura de Porto Alegre).
Os efeitos da imunidade
De início, dá-se ênfase ao fato
de que a imunidade ora tratada protege da incidência tributária a produção e
circulação dos livros, jornais e periódicos, alcançando, também, o jornal
destinado à sua produção. Em outras palavras, não há que se falar em gravar a
circulação de periódicos com o ICMS, ou fazer incidir o IPI na produção de
livros, ou cobrar imposto de importação na entrada de papel jornal. Mas a
receita auferida pelo escritor em função da venda dos livros é receita
tributável pelo imposto de renda e, do mesmo modo, o lucro das editoras está
sujeito ao imposto de renda. Neste teor, ensina Carrazza: “Por outro lado,
somos inclinados a aceitar – apenas de já termos sustentado o contrário, em
edição anterior – que esta imunidade é objetiva e, por isso, não alcança a
empresa jornalística, a empresa editorial, o livreiro, o auto etc., que, por
exemplo, deverão pagar o imposto sobre os rendimentos que obtiverem com o
livro, o jornal, o periódico e o papel destinado à sua impressão”.6
Percebe-se, assim, que a
imunidade alcança tão-somente o produto final, incluindo o papel destinado à
sua impressão. Os demais insumos, portanto, não estão protegidos pela
imunidade, conforme, aliás, entendimento do STF:
“Ementa: Constitucional.
Tributário. Jornal. Imunidade Tributária. CF., Art. 150, VI, ‘d’. I – O Supremo
Tribunal Federal decidiu que apenas os materiais relacionados com papel (papel
fotográfico, papel telefoto, filmes fotográficos, sensibilizados, não
impressionados, para imagens monocromáticas, papel fotográfico para
fotocomposição por laser) é que estão abrangidos pela imunidade tributária do
art. 150, VI, ‘d’, da CF. II – Precedentes do STF: RREE nºs 190.761-SP e
174.476-SP, Ministro F. Resek; Plenário, 11.12.96. Voto vencido do Min. C.
Velloso, que entendia cabível a imunidade tributária com maior extensão. III –
RE conhecido e provido” (RE 177.657-9-SP, 2ª Turma, j. 25.03.1997).
No tocante à incidência do ISS,
devemos distribuir a matéria de acordo com as situações polêmicas já surgidas.
1) ISS sobre a circulação de
livros, jornais e periódicos.
Por evidência, inadmissível,
tanto pela imunidade quanto pela inexistência de fato gerador relativo ao
tributo municipal. Ab absurdo, se houvesse incidência tributária, esta seria do
ICMS e não do ISS.
2) ISS sobre propagandas
veiculadas.
Em primeiro lugar, devemos nos
reportar à legislação pertinente ao Imposto Sobre Serviços. A lista de serviços
anexada à Lei Complementar nº 56, de 15.12.1987, ainda vigente e prestes a ser
substituída pela Lei Complementar nº 116/03, ditava em seu item 86:
“86 – Veiculação e divulgação de
textos, desenhos e outros materiais de publicidade, por qualquer meio (exceto
em jornais, periódicos, rádios e televisão)”.
Constata-se que a veiculação e
divulgação de materiais publicitários sofria (ou sofre) incidência do ISS, mas
o próprio texto já excluía as veiculações e divulgações inseridas em jornais e
periódicos. Tendo em vista a taxatividade da lista, jurisprudência já por
demais firmada em nossos Tribunais, torna improcedente qualquer tentativa
municipal de fazer incidir o imposto em tais circunstâncias.
Além disso, estaria em jogo a
imunidade prevista na Constituição Federal. Ou seja, mesmo que a lei
complementar suprimisse a exceção, teríamos patente a afronta ao preceito
maior. Foi assim o entendimento do STF:
“Jornais e periódicos. ISS.
Imunidade tributária. A imunidade estabelecida na Constituição é ampla,
abrangendo os serviços prestados pela empresa jornalística na transmissão de
anúncios de propaganda. Precedente do Pleno: RE 87.049-1-SP. RE conhecido e
provido” (RE 111.228-SP, 2ª Turma, RTJ 122/1127).
A respeito, ensina Bernardo
Ribeiro de Moraes: “Procurando resguardar, amparar e estimular a cultura,
inclusive a informação, estão fora do campo da incidência do ISS os seguintes
veículos de difusão: a) o livro. (...); b) o jornal. (...); c) os periódicos”.7
Deve-se ressaltar que o item 85
da lista de serviços da Lei Complementar nº 56/87 diz respeito aos serviços de
criação e produção de propaganda e publicidade, e não à veiculação dos mesmos.
Desse modo, enquanto as empresas de propaganda, por exemplo, são contribuintes
do ISS, de acordo com o item 85, as empresas de outdoor, exemplificando, são
contribuintes do ISS, de acordo com o item 86 e em relação às atividades de
divulgadoras dos textos publicitários criados por terceiros. Assim, o item 85
nada tem a ver com aqueles que veiculam e divulgam a propaganda.
O projeto da atual Lei
Complementar nº 116/03 inseria em sua lista de serviços o item 17.07, referente
à veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda
e publicidade, por qualquer meio. Ocorre que este item foi vetado pela
Presidência da República, com base na seguinte justificativa:
“O dispositivo em causa, por sua
generalidade, permite, no limite, a incidência do ISS sobre, por exemplo, mídia
impressa, que goza de imunidade constitucional (cf alínea ‘d’ do inciso VI do
art. 150 da Constituição de 1988). Vale destacar que a legislação vigente
excepciona – da incidência do ISS – a veiculação e divulgação de textos,
desenhos e outros materiais de publicidade por meio de jornais, periódicos,
rádio e televisão (cf item 86 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei nº 406,
de 31 de dezembro de 1968, com a redação da Lei Complementar nº 56, de 15 de
dezembro de 1987), o que sugere ser vontade do projeto permitir uma hipótese de
incidência inconstitucional. (...)”.
Em conclusão, verifica-se que a
incidência do ISS sobre veiculação e divulgação de propaganda e publicidade em
jornais e periódicos não caberia durante a vigência do Decreto-lei nº 406/68,
em vista da exclusão do serviço na lista anexada à lei, além do preceito
constitucional da imunidade. A partir da vigência da Lei Complementar nº
116/03, não só é mantido o respeito à vedação constitucional (e não poderia ser
de outra forma), como a própria inexistência do serviço no corpo da nova lista.
1 Amílcar de Araújo Falcão, “Fato
Gerador da Obrigação Tributária”, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, p.
117.
2 Sacha Calmon Navarro Coelho,
Curso de Direito Tributário Brasileiro, 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001,
p. 293.
3 Ives Gandra da Silva Martins,
“Imunidade Constitucional de Publicações – Interpretação Teleológica da Norma
Maior”, Resenha Tributária, 1984, ano XV, seção 1.3.
4 Roque Antônio Carrazza, “Curso
de Direito Constitucional Tributário”, 12ª ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p.
480.
5 Aliomar Baleeiro, “Limitações
Constitucionais ao Poder de Tributar”, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997,
p. 354.
6 Op. cit. p. 493.
7 Bernardo Ribeiro de Moraes,
“Doutrina e Prática do ISS”, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1978.